Em primeiro lugar, para ler este post, clica no play do vídeo que se segue.
Agora que estás no espírito deste post posso começar a falar do que vivi.
Dia 0: Uma noite de Verão em plena Primavera, enquanto o material se dispõe de forma a optimizar o espaço para tanta gente dormir. Entretanto surge no local mais inesperado um terminal rodoviário, e começo a sair, a sorrir, a cantar, a reencontrar-me, mas ainda com medo, muito medo. Será que vamos chegar todos? Colam-se nomes a rostos com cuspo que dificilmente vão ser colar em definitivo. Segue-se uma noite, em que deitado sonhei acordado até os primeiros raios de sol entrarem pelas janelas.
Dia 1: A sensação de cansaço, provoca desiquilíbrios e descontrolos estranhos, que julguei resolverem-se com um sorriso. Com o coração apertado lá vejo os rostos a partirem. Outros rostos mais familiares começam a sobressair. O material de repouso desta gente, vai então ser deslocado até ao próximo albergue. Carrinha carregada até ao tecto. O novo albergue, de dimensões mais reduzidas que o primeiro, obriga a um esforço redobrado. Preparado para outras festanças, havia que remodelá-lo para uma noite que, face ao dia longo de caminhada interior e exterior, prometia ser silenciosa. Descombrem-se recantos pela casa. Volta-se à estrada para acompanhar o percurso dos andantes até ao repasto duplo. Aproxima-se o comboio dos rostos. O esquema está montado, várias barraquinhas prestam serviços, e existe um transporte para retirar as marcas exteriores de um dia de suor. Num dos recantos da casa, encontra-se um lugar para eterno descanso, ainda mais silencioso, que o silêncio, onde os empurradores de autocarro recuperam forças, para avançar com as toneladas para a próxima estação.
Dia 2: Calor abrasador, sem a tão desejada brisa fresca. São as boas-vindas ao dia 2. Enquanto se ganha energia matinal, ainda se completam curativos do dia anterior. Reza da manhã, e fazer ao caminho. Sem ponta de vento. À medida que os sacos cama se enfiam na carrinha ao melhor estilo malas de aeroporto, o suor começa a escorrer pelo corpo abaixo. Novamente o transporte dos artigos de dormida é o primeiro. Contratempo de última hora, não há chave do albergue, mesmo após várias tentativas de contacto ao seu guardião, e por isso ficamos a conhecer a simpatia da corporação de bombeiros voluntários local. O vai-vém completa mais um percurso. Enquanto vai zigzagueando entre peregrinos e acenando. Paragem para mais um duplo repasto, com vistas largas. O caminho segue pelo vale adentro. Encontrada a chave do cofre, há que recuperar os artigos de dormitório, e preparar o hotel para o comboio que se aproxima. Espaço preparado, há ainda tempo de voltar à estrada para saber como estão os caminhantes, e acompanhá-los no esforço final. O cansaço que eles transportam, torna os seus passos mais pesados e lentos, e com leveza os ultrapasso facilmente, para me chegar à frente do pelotão para meter conversas em dia. Foi bom. Apesar nos receios, de não conseguir acompanhar o cansaço deles, de estarem muito mais profundos que eu, foi bom. Chega a hora da refeição final reconfortante, e quente, pela primeira vez nestes dias. Servem-se bebidas sem ver rostos, e tenta-se fazer identificação do orador pelo tom de voz. Olha-se para o dia que passou-se, fazem-se parvoices, e olho para dentro para ver como me senti. Segue-se mais uma noite silenciosa.
Dia 3: Quais galos de capoeira, os despertadores de telemóvel começam a libertar sons bem cedo. Uma caminhada assaz longa, para o peso das pernas de tem tinha caminhado até aqui. A padaria está à porta, e enquanto se espera por este alimento, contepla-se a sua feitura. Estaladiço e quentinho, a pedir uma faca cheia de manteiga, o pão chega à mesa. Mais uma vez voltar o nosso caminho para a direcção certa, é a primeira tarefa da manhã, antes de iniciar o caminho que nos leva ao ponto final. O vaivém prepara-se para as suas últimas viagens. Entre histórias, lamentos, teorias da conspiração e algum azenhanço, largamos definitivamente o nosso último albergue. No destino, prepara-se o prato majestoso para a última refeição, mas as torneiras secas, fazem atrasar o processo. O desejo de caminhar todos juntos no fim era grande, e os sucessivos atrasos, fizeram rebentar pequenas bolhinhas. Junto aos peregrinos cumprem-se os últimos quilómetros. A rezar o terço, que tão pouco me diz, mas que me soube bem para voltar ao essencial. Caminha-se até à cruz, à procura da sombra. Chega-se a Fátima com a caneca, embora algumas tenham ficado pelo caminho. As canecas, não as pessoas. Alegria estampada nos rostos, abraços, sorrisos, alegria profunda, é tudo o que vai cá dentro. Boas notícias chegam, afinal estávamos mesmo todos juntos, com maior ou menor dificuldade, às cavalitas, com quedas, mas estávamos todos. Emoções ao rubro. Mais um duplo repasto. Desta vez com direito a miminhos e tudo. E no fim, a refeição com Aquele que nos trouxe a todos até à igreja do Carmelo de Fátima. Acusticamente sublime, parecia escolhido a dedo o lugar para terminar o caminho. Estava na hora de começar a outra peregrinação. A mais difícil. Enquanto isso, os valentes apanhavam as canas dos foguetes, e regressavam também eles à sua peregrinação.
Dia 4 e restantes: Não vai ser difícil peregrinar no dia-a-dia. Queria ter um apoio assim. Como estes empurradores de autocarro, valentes, estóicos, inacreditáveis.
Fim de Crónica
P.S.: Peço desculpa pela extensão do post. Foi uma experiência que não quero deixar de partilhar convosco. Para quem não esteja dentro destas coisas, o post fala da peregrinação a Fátima dos centros universitário da Companhia de Jesus, que envolveu 130 pessoas, e que decorreu entre os dias 24 e 27 de Abril. Nada como experimentar em futuras ocasiões. Este é o ponto de vista da equipa de apoio. Se porventura, algum peregrino quiser partilhar a sua experiência neste espaço, envie a sua contribuição para o meu email, e seguramente será colocada neste escaparate.